Existem alguns contos do passado que são verdadeiras analogias da vida. Alguns são tão precisos que fico impressionado todas às vezes que retorno ao mesmo conto e redescubro novos significados daquela mesma analogia.
Um dos contos que faz isso muito bem é o famoso "O patinho feio".
Todo mundo conhece a história, então aqui vai um resumo bem resumido para quem ainda não conhece:
"O patinho feio é aquele que quando menor era o mais feio dos patinhos, por ser o mais feio era rejeitado pelos demais e, assim, vivia solitário. Claro, sua mãe pata dizia que o amava apesar de tudo (o papel da mãe é sempre divino, não há dúvida). Mas o patinho feio cresceu e se tornou um belo cisne, e assim se redescobriu e isso o engrandeceu."
O engraçado, da vida real, é que se perguntarmos "quem quer ser normal", poucas pessoas vão responder que sim, pois, em verdade, ninguém quer ser normal. Todos queremos nos descobrir especiais, todos queremos ser, bem no fundo de nossos íntimos, o diferentão, aquele que ser marcado para a história na lembrança de todos, etc.
No entanto, em outros momentos, quando alguém nos ofende dizendo que somos esquisitos, bom... aí ser o diferentão ganha outros valores.
A história do patinho feio é na verdade a história de todos nós. Não a nossa história propriamente dita, claro que não, mas a história de como nos sentimos em algum ou alguns momentos da nossa vida. E como nos sentimos? Nos sentimos inadequados ou deslocados, sentimos como se faltasse algo que nos completasse ou que talvez tenhamos nascidos no lugar ou época errada. Todo mundo passa por sentimentos assim alguma vez na vida.
Não curto muito livros de autoajuda, mas o título deste texto é "O vôo do cisne" (ainda tinha acento circunflexo no primeiro "o" quando o li a primeira vez), e se trata de um livro de autoajuda. Mas em verdade digo que está mais para uma biografia do seu autor, José Luiz Tejon, que tem uma daquelas histórias de superação (que sejamos francos, são incríveis, mas que não temos sacos e nem damos importância, daí ficamos enrolando para ler ou assistir algo sobre até que um dia somos pegos de surpresas ou obrigados a ver e... bom, a emoção toma conta).
Este é um livro que tesce comparações analógicas ao conto do patinho feio, nos levando a crer que precisamos, assim como o patinho, nos descobrir, descobrir o cisne que existe em algum lugar dentro da gente. No entanto, é mais profundo do que essa rasa explicação que acabei de fazer.
Descobrir o cisne que existe dentro de você significa abandonar quem você agora e agora você é o patinho feio, aquele ser que se sente deslocado, que sente que falta algo que você nem sabe o que é. O vôo do cisne é um grito para romper a normalidade e enxergar a própria luz. E claro, não é tão fácil quanto fazer um discurso bonito.
Talvez o maior desafio da vida moderna seja sermos nós mesmos em um mundo que insiste em modelar nosso jeito de ser. Querem que deixemos de ser como somos e passemos a ser o que os outros esperam que sejamos. Eu sei, eu sei, esse parece um discurso batido e talvez você já tenha lido algo assim em algum lugar. Mas ajuda dizer que isso é a mais pura verdade do mundo que vivemos?
Veja, a própria palavra "pessoa" já é um convite para que você deixe de ser você. "Pessoa" vem de "Persona", que significa "máscara". É isso mesmo: coloque a máscara e vá para o trabalho. Ou vá para a vida com a sua máscara. E não usamos apenas uma única máscara em todas as ocasiões, temos uma máscara para cada momento e às vezes até para cada pessoa. Temos uma máscara para ir ao trabalho, uma máscara para encarar nossos chefes, uma máscara para a família, uma máscara para encarar a família da pessoa com quem nos casamos, uma máscara para amigos, uma máscara para os nossos melhores amigos. Enfim, são muitas máscaras.
Talvez o sentido do elogio: "Fulano é uma boa pessoa", signifique na verdade: "Ele sabe usar muito bem a sua máscara social".
Mas qual o preço de ser bem adaptado?
O número de depressivos, alcoólatras e suicidas aumenta assustadoramente. Doenças de fundo psicológico como síndrome do pânico e síndrome do lazer não param de surgir. Dizer-se estressado virou lugar-comum nas conversas entre amigos e familiares. Esse é o preço.
Mas pior que isso é a terrível sensação de inadequação que parece perseguir a maioria das pessoas. Aquele sentimento cristalino de que não estamos vivendo de acordo com a nossa vocação.
E qual o grande modelo da sociedade moderna?
Querer ser o que a maioria finge que é. Querer viver fazendo o que a maioria faz. É essa a cruel angústia do nosso tempo: o medo de ser ultrapassado em uma corrida que define quem é melhor, baseada em parâmetros que, no final da pista, não levam as pessoas a serem felizes.
Quanta gente nós não conhecemos, que vive correndo atrás de metas sem conseguir olhar para dentro da sua alma e se perguntar onde exatamente deseja chegar ao final da corrida?
A sociedade nos catequiza para que sejamos mais uma peça na engrenagem e quem não se moldar para ocupar o espaço que lhe cabe será impiedosamente criticado.
A realidade disso tudo é que a maioria das pessoas se sente o patinho feio e ficam imaginando que todo o mundo se sente como o cisne.
Triste ilusão: quase todo mundo se sente um patinho feio também. Ainda há tempo! Nunca é tarde para se descobrir único. Nunca é tarde para descobrir que não existe nem nunca existirá ninguém igual a você.
E ao invés de se tornar mais um patinho, escolha assumir sua condição inalienável de cisne!
Seja o cisne.