Através do Skype, ao estilo de uma videoconferência, você pode desfrutar de uma sessão psicológica no conforto de seu próprio quarto.
O cliente então atende o chamado virtual, muitas vezes sentado ou até deitado na cama. Ligo a câmera e me deparo com o cliente segurando seu notebook no colo e quase deitado na cama, envolto de travessieros e lençois, simplesmente porque o cliente prefere realmente fazer suas sessões na cama.
Alguns brincam e dizem que a melhor parte é não ter que se arrumar muito, "pegar o carro" ou "ônibus", enfrentar o sol escaldante do meio da tarde ou, simplesmente, o trânsito no caminho de volta para casa.
É importante salientar que nem todas as consultas online ocorrem na cama, na verdade o local mais comum é o local que o cliente costuma estar quando se conecta a Internet. Muitos tem sua mesinha própria para o notebook e sua poltrona confortável. Mas eventualmente, o local pode mudar: um dia o cliente se encontra em outro cômodo da casa porque naquele dia é o melhor lugar que ele encontrou, por "n" motivos. Estas sessões ocasionais podem se tornar frequentes e regulares para uns e, no entanto, para outros, podem ser só um raro momento.
Na cama com seu terapeuta
O caso conta com a permissão do cliente, que aceitou que fosse usada sua história como base para ilustrar casos similares. O objetivo último é ilustrar casos que alcancem o público, visto que praticamente cada caso é único, mas que no entanto, algumas situações podem ser de identificação. E, evidentemente, algumas informações serão modificadas para preservar a identidade do cliente.
Nome: Jon (fictício)
Idade: entre 25 a 35 anos
Sexo: masculino
Diagnóstico/sintomas/queixas: vergonha, não cumpre compromissos, tristeza profunda (acredita ser depressão), baixa autoestima, sentimento de inutilidade.
Caso: não consegue emprego e acredita que por viver o momento atual sentindo-se menosprezado e envergonhado de si mesmo.
Fatores biológicos/genéticos: teve dois casos na família com depressão.
Pontos fortes/recursos: inteligente, bom senso de humor, possui uma linguagem verbal bem articulada e bastante assertivo.
Objetivos da orientação: 1. Reduzir o sentimento de vergonha. 2. Voltar a ter uma vida ativa. 3. Melhorar sua autoestima.
Plano de ação para o caso de Jon: 1. Estabelecimento de metas. 2. Estabelecimento de agenda. 3. Reestruturação cognitiva (exemplo: identificação de erros cognitivos, registro de pensamentos). 4. Treino de relaxamento respiratório para ajudar a manter o controle da situação e diminuir a ansiedade quando tiver algum compromisso marcado. 5. Orientações e dicas para lidar com a ansiedade. 6. Desenvolvimento de habilidades de enfrentamento.
Desenvolvimento narrativo
Jon procurou por ajuda psicológica depois de ter "falhado" 3 vezes em outras terapias (todas presenciais). Leu um texto na internet que falava sobre o tema "depressão". Encontrando minha FanPage no Facebook, então decidiu entrar em contato com o objetivo de tentar desta forma (virtual).
Iniciamos a consulta inicial. Geralmente costumo fazer uma "mini-avaliação", isto me ajuda a determinar qual o tempo necessário (em termos de números de consultas) que um cliente precisará para obter ALGUM resultado positivo. No caso da Orientação Psicológica Online, podemos oferecer o limite de até 20 consultas, mas dificilmente algum cliente chega a utilizar as 20, na maioria das vezes fica entre 7 a 10 consultas, e após isso o mesmo já recebe algum benefício em sua vida diária.
Para o caso de Jon, por um instante, imaginei que ele seria o primeiro a atingir as 20 sessões. Foram ao todo 23 consultas, sendo que dessas não estou a contar todas às vezes que ele desmarcou uma consulta. Algo em torno de 25 ou 30 vezes, pois para cada consulta marcada, ele faltava 2 ou 3.
O caso:
Jon sempre trabalhou, desde seus 17 anos. Nunca ganhou bem, sempre em torno de 1 a 2 salários mínimos, mas era o suficiente. No entanto, com a crise que o país vive, pela primeira vez se viu desempregado e já faz quase um ano e não conseguiu nada. Participou de várias entrevistas de emprego e processos seletivos, mas não conseguiu um emprego.
O seu problema iniciou quando começou a perceber que toda vez passava numa pré-seleção e era chamado para uma entrevista, ele cancelava a entrevista e a remarcava, alegando estar doente ou com algum problema particular (inventava doenças na família, por exemplo). Isto tinha um efeito bastante ruim em sua vida, pois ele se sentia envergonhado por faltar seus compromissos e depois ter que encarar o entrevistador, afinal, ele estava necessidade de ter um trabalho, uma renda fixa novamente.
"Eu tinha remarcado uma entrevista três vezes, na quarta pensei que se não fosse não seria chamado nunca mais. Tenho certeza que eles gostaram do meu currículo, caso não tivessem gostado, não teriam me chamado três vezes, poderiam ter chamado outro, não sei!"
Ao ir na entrevista, Jon acabou ficando nervoso e contou várias mentiras sobre sua vida, isto acabou não convencendo o entrevistador e ele não conseguiu o emprego. E esse processo se repetiu ainda outras vezes, basicamente seguindo o mesmo padrão: era selecionado, chamado para uma entrevista, cancelava a entrevista, remarcava uma ou duas vezes e só depois quando as chamadas persistiam é que conseguia coragem para ir na entrevista. Sempre decepcionando, pois acabava tendo que apelar para mentiras esfarrapadas, pois nada justificaria as doenças inventadas ou compromissos importantes para faltar uma entrevista de emprego (do qual necessitava para realmente ajudar em casa).
Esse ciclo, se repetindo um atrás do outro, intensificou vergonha que ele sentia de si mesmo, seu desanimo, sua baixa autoestima. Jon entrou em depressão!
Sua depressão o impedia até de sair da cama, passou a ser "um vegetal" em seu quarto.
"Ei! Pára de vegetar na cama - dizia meu irmão."
"Sai dessa cama, vai lavar essa cara de morto - dizia minha mãe."
Esses dizeres constantes só fazia sua situação piorar. Procurou ajuda psicológica, inicialmente por consultas presenciais, mas pouco a pouco (e depois de um longo tempo de terapia e de ter passado por três psicólogos), se deu conta que estava fazendo a mesma coisa que fazia nas entrevistas de emprego. Estava sabotando as suas idas ao psicólogo.
Quando descobriu que podia fazer consultas online, achou que seria uma boa saída, pois passava pela sua cabeça que, na maior parte das vezes, não sentia vontade alguma de se arrumar para sair.
Após a primeira sessão, fiz a estimativa entre 9 a 12 sessões para conseguir um bom resultado. Jon ficou animado, mas é claro que eu não sabia de tudo ainda. Havíamos combinado uma consulta por semana, o que daria três meses de orientações. E depois, caso fosse preciso e de interesse de Jon, planejaríamos a continuidade ou encerramento das consultas, dependendo do resultados que seriam obtidos.
No entanto, já na segunda sessão, Jon não ficou online no dia e horário marcados. Enviou-me uma mensagem cerca de duas horas depois, alegando estar com enxaqueca.
"Tudo bem", eu disse. Remarcamos para a semana seguinte e novamente ele estava mal, enviou-me outra mensagem (também duas horas depois) dizendo que na noite anterior tinha exagerado na bebida e estava de resseca. Até que na terceira semana ele apareceu. O que deveria durar três meses parecia se prolongar por um tempo que não podia prever.
Por um lado, Jon tentava me convencer (ou convencer a si mesmo) que gostava de poder fazer as orientações comigo no conforto do seu lar, dizia que se tivesse que ir até meu consultório (caso fossemos da mesma cidade), provavelmente faltaria muito mais e um dia nem apareceria mais. Não que isso fosse algum alívio para a questão, mas de certa forma fazia sentido.
Por outro lado, eu passava dias e semanas (principalmente quando ele faltava as sessões) tentando elaborar um meio de motivá-lo, pois sei que a continuidade do trabalho ajuda a manter o progresso da sessão anterior. Do jeito que estava indo, todo progresso que alcançássemos numa sessão, sumiria na outra caso não ocorresse no tempo determinado, quebrando o ritmo do trabalho realizado. A impressão era de sempre estar iniciando do zero.
Para mudar esse quadro, ofereci ele ajuda por e-mail, assim toda semana, após a consulta por Skype, eu lhe enviava 2 e-mails: o primeiro, dois dias depois da consulta e o segundo, dois dias antes da próxima consulta. Jon sempre respondia os e-mails no mesmo dia, mas em turnos diferentes. Enviava os e-mails pela manhã e a noite obtinha suas respostas. Isto ajudou, diminuiu o número de faltas e ele passou a faltar uma vez apenas a cada duas ou três consultas.
Novamente, no entanto, fui surpreendido com um grande sumiço. Após uma consulta e julgando estar finalmente fazendo um bom progresso, Jon sumiu por quase três meses, não respondeu os e-mails e nem mesmo deu alguma satisfação do motivo de não comparecer mais. Por um tempo, confesso, achava que havia encerrado aquele caso para mim. Realmente não esperava ver Jon outra vez.
Nossas consultas ocorriam todas as sextas pela manhã (dia e horário de sua preferência). Numa quinta feira a noite Jon me enviou uma mensagem pelo Whatsapp:
"Olá 'doutor', será que poderíamos marcar uma consulta para amanhã? Ainda pode?"
Fiquei surpreso, mas confirmei a consulta, no entanto, o horário seria um pouco mais tarde.
"Sem problema", disse ele.
Nós estávamos indo para a 12ª consulta e cheguei a pensar que seria mesmo a última. No horário combinado fiquei online no Skype, esperava Jon... cerca de 10 minutos de atraso, ele envia uma mensagem: "Estou um pouco atrasado, mas já vou entrar, por favor aguarde".
E eu aguardei...
Jon entrou uns 5 ou 6 minutos depois dessa mensagem. Ele estava semi-deitado (aquela posição em que sentamos com as costas), estava com a barba por fazer, mas seu rosto e cabelos indicavam que havia acabado de tomar um banho.
Ele iniciou se desculpando pelo atraso e depois por ainda estar na cama. Pediu desculpas umas três vezes, mas disse que realmente não tinha disposição para sentar na cadeira e mesa de costume. Estava num estado depressivo e sem ânimo nem para isso, quase se justificando por ter sumido. Chegou a virar a WebCam para mostrar onde estava sua mesa, apesar do quarto estar um pouco escuro, reconheci algumas coisas.
Eu respondi: "Está tudo certo, vamos aproveitar esse momento, ok?"
Um pequeno sorriso surgiu, senti que isso lhe deixou mais seguro e tivemos a melhor consulta desde então. Jon abriu "o jogo" e pela primeira vez, foi mais franco. Disse que não aguentava mais inventar histórias para se manter em seu casulo, disse que quando lembrava de nossas consultas ele me xingava de todos os nomes que conseguia lembrar. Em outros momento chorou, tinha vontade, mas não conseguia, simplesmente. Por fim, deixou uma lágrima escorrer, seus lábios tremeram e ele parou de falar, agradeceu e desabou em choro que durou uns 2 ou 3 minutos.
Quando Jon se recuperou, confessou mentiras, mentiras que contava para si mesmo, mas agora se sentia feliz, estava feliz porque eu estava ali apesar de tudo. Achava que eu não lhe daria outra chance, que eu o recusaria e até esperava que eu recusasse e isso poderia confirmar que ele era um "lixo" e "descartável", que não serviria para mais nada. Não foi o que aconteceu e isso mudou tudo, disse ele emocionado.
Depois de quase 40 minutos de sessão, Jon resolveu levantar para lavar o rosto. Levou seu notebook para a mesa que costumava estar em todas as outras sessões. Revisamos seu Diário Comportamental*. Disse ainda que lembrava de tudo e que nessa semana, antes de decidir me enviar a mensagem para marcar esta consulta, havia lido tudo outra vez e se deu conta do seu progresso. Inclusive, se deu conta como nas primeiras consultas o trabalho se reiniciava devido a falta de continuidade.
Fizemos uma consulta especial, durou cerca de quase 2 horas, mas valeu a pena. As outras cinco sessões ocorreram sem falta. Jon estava de volta a vida comum do dia a dia. Mas só para garantir, continuei lhe enviando os dois e-mails semanais até o encerramento de todo o processo de Orientação Psicológica.
Fim do processo
Foram ao todo 23 consultas que se estenderam por quase 11 meses. Não tenho certeza se ele tivesse que sair de casa para ir a um consultório, ele teria ou não terminado todo o processo. Talvez fosse preciso de novas estratégias para conseguir tal feito.
Creio que nesse caso, a orientação por via virtual e a comodidade de sua morada foram fundamentais para agilizar muitas coisas e vencer a sensação de "se sentir indisposto". Aquela sessão com Jon em sua cama, foi como se ele quisesse me transportar para o mesmo "lugar" onde costumava ficar recluso, foi como se ele tivesse me mostrando: "olhe, é aqui que minha vida pára, é aqui que me refugio do mundo, é aqui que meus pensamentos voam a mil e eu não consigo tirar conclusão alguma de nada e ao mesmo de tudo".
Não acompanhei Jon até sua jornada de conseguir um novo emprego. Após a última sessão, ele chegou a me enviar 2 e-mails, num deles contava sobre sua vida, que agora começou a praticar atividades físicas como costumava fazer quando trabalhava e que isso parecia fazer ele se sentir bem, principalmente porque é algo que não precisa ter compromisso com ninguém, mas apenas com ele mesmo.
*Diário Comportamental é o nome que uso para um registro diário que o cliente pode fazer. Isto ajuda a trabalhar algumas questões importantes relacionadas a cognição e também na mudança de hábitos destrutivos para hábitos construtivos.